Zizek e a bioética na pandemia

Recentemente, Slavoj Žižek publicou um artigo intitulado A barbárie com rosto humano, traduzido pelo portal da Unisinos. Estou longe de querer fazer uma crítica profunda à um folósofo já de longa carreira e reconhecido internacionalmente. Entretanto, me parece importante fazer algumas ressalvas em seu texto, o qual apresenta pontos importantes a serem refletidos, principalmente na situação anormal em que nos encontramos.

Este é de grande valia para pensar grandes questões envolvendo a pandemia e as questões socio-econômicas do mundo. Discorrendo sobre temas desde uma rede global de saúde até a desaceleração econômica ocorrida em decorrência da COVID-19. Coloca inclusive o como essa desaceleração pode ter acabado salvando diversas vidas devido à redução da poluição atmosférica causada pela paralisação das indústrias. Sua previsão é de que tenham deixado de morrer 4.000 crianças e 73.000 idosos que teriam desenvolvido problemas respiratórios pela vivência em um ar de baixíssima qualidade.

Mas meu foco é no que Žižek discorre, logo no começo de seu texto, sobre o contexto italiano e a problemática que o país enfrenta, com a triste decisão deixada aos médicos sobre quem receberá tratamento e quem será deixado à própria sorte. A crítica do filósofo vai no sentido de que a decisão do país – tratar os mais jovens, aqueles com mais chance de sobrevivência – seria contrária à noção da ética militar, segundo a qual os feridos graves devem ter prioridade de atendimento. Concordo com Žižek que a prioridade deva ser não economizar, fazendo tudo que for necessário para a sobrevivência dos afetados. Porém, o mesmo parece desconsiderar que a situação atual não envolve puramente gastos, mas também a falta de estrutura e de equipamentos suficientes para todos. Dessa forma, torna-se inevitável uma certa “escolha” acerca de quem vá receber o tratamento.

Com esse novo contexto, o consenso bioético já está cristalizado de forma a priorizar o tratamento dos que apresentam mais chances de recuperação, em detrimento daqueles que apresentam saúde já debilitada e/ou idade avançada. Esse consenso está aberto para ser questionado e rediscutido a qualquer momento, obviamente. Mas afirmar que a atitude seria de alguma forma contraditória com as práticas comuns do mundo médico parece mais um desconhecimento dos procedimentos adotados do que uma crítica real e fundamentada do assunto.

Ademais, o ponto principal de seu texto segue sendo de fundamental importância para se pensar a contemporaneidade, que é “como mudar completamente nosso sistema social e econômico”? Este precisa ser alterado de forma profunda com vistas a se adequar às necessidades humanas. Isso já deveria ser a conclusão da maior parte das pessoas, principalmente ao ver todos os problemas que o sistema econômico hegemônico causa: desigualdade extrema; fome de milhões de pessoas; além de diversas questões envolvendo psico-patologias desenvolvidas pela constante pressão do sistema.

A questão que permanece é como realizar essa mudança estrutural. Contudo, até nos EUA já está sendo discutida a possibilidade uma renda básica universal. Quem sabe não seria esse um primeiro passo na direção de uma real alteração no sistema econômico como conhecemos hoje?