John Rawls, a justiça como equidade e o véu da ignorância
Apr 2, 2020 - ⧖ 4 minUma teoria política normativa é aquela que apresenta princípios de base filosófica visando orientar a norma e Rawls vai abrir as portas da teoria política normativa contemporânea, trazendo à tona sua importância.
Com sua obra¹, Rawls pretende desenvolver uma teoria que se torne uma alternativa às doutrinas do seu tempo, como o intuicionismo e o Utilitarismo, doutrina que defende a felicidade como parâmetro para a moralidade, ponto que Rawls vai demonstrar forte oposição. No Utilitarismo, por ser uma teoria teleológica, “o bem se define independentemente do justo, e então o justo se define como aquilo que maximiza o bem” e também “não leva a sério a diferença entre as pessoas” (RAWLS, 2016, p. 30). Se opõe também a atos supererrogatórios (heroicos), dado que este pode vir a ocasionar dano ao agente, afirma também que estes podem ser considerados obrigatórios em algumas situações do Utilitarismo.
Rawls não ignora os conflitos presentes na sociedade capitalista, reconhecendo inclusive as diferenças de oportunidades geradas por ela, porém, sua doutrina visa elucidar sobre uma sociedade em “sistema fechado”, de forma a facilitar as explicações e auxiliar na resolução de problemas de sociedades reais, plurais, nas quais o próprio indivíduo se torna plural.
Ele reconhece não apenas o pluralismo, mas também a raridade de recursos (premissa sem a qual a ideia de justiça sequer faria sentido), e utiliza como parâmetros a capacidade dos indivíduos de realizar concepções racionais e razoáveis e que a sociedade é um sistema de cooperação
Para tal, usa a base dos contratualistas, dentro da teoria do liberalismo igualitário, para analisar uma situação original hipotética, na qual todos seriam iguais e estariam sob o “véu da ignorância”, ou seja, ninguém teria parâmetro algum. Preferências, cor de pele, classe social, inteligência, religião, nada disso estaria pré-definido, fazendo com que as pessoas façam suas escolhas baseadas no medo de serem prejudicadas. Assim sendo, a justiça como equidade é o ponto em que os juízos que possuímos coincidem com os que teríamos se nos encontrássemos na posição original do véu da ignorância, sendo que qualquer decisão tomada nessas condições seria justa.
Rawls só aceita a desigualdade se for cumprida a premissa de que o mais desfavorecido em situação de desigualdade esteja em uma situação melhor do que estaria no caso da igualdade, assim sendo, a deles tem que melhorar juntamente com a dos mais favorecidos. Nas palavras do autor: “Se certas desigualdades de riqueza e diferenças de autoridade colocam todos em melhores condições do que nessa posição inicial hipotética [igualdade absoluta], então elas estão de acordo com a concepção geral” (RAWLS, 2016, p. 67) e “as maiores expectativas daqueles em melhor situação são justas se, e somente se, funcionam como parte de um esquema que melhora as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade” (RAWLS, 2016, p. 79-80). Por isso, Rawls permite que a estrutura socioeconômica seja analisada pelo viés do menos favorecido, de forma a minimizar injustiças.
Não utiliza do princípio da maximização (Rawls não gosta que compare com situações maximin), mas os indivíduos tenderiam a apresentar posições mais “conservadoras”. O conceito de justo precede o de bem, sendo que a teoria Rawlsiana é a primazia do justo sobre o bem. Todos os indivíduos devem ter liberdades iguais e os cargos mais altos devem estar ao alcance de todos, ou seja, deve haver uma certa igualdade de oportunidades e, para isso, o Estado deve intervir para adaptar o mercado livre. Assim sendo, “As oportunidades de se atingir conhecimento cultural e qualificações não deveriam depender da posição de classe de uma pessoa, e assim o sistema escolar, seja público ou privado, deveria destinar-se a eliminar barreiras de classe” (RAWLS, 2016, p. 77).
Vai diferenciar eficiência de justiça, não aceitando o “ótimo de Pareto”, pois ele permitiria comparar situações de liberdade com as de servidão, o que para Rawls é inaceitável. Também não aceita a ideia de uma meritocracia.
Apresenta certa concordância com a teoria kantiana, não apenas por ser uma teoria deontológica, mas porque “se a aplicação de um princípio por todos atingir resultados autocontraditórios ou inconsistentes, ele é excluído” (RAWLS, 2016, p. 143), ou seja, deve ser universalizável. Porém, “os princípios devem ser escolhidos em vista das consequências decorrentes de sua aceitação por todos” (RAWLS, 2016, p. 143), também apresenta, portanto, coincidência com teorias consequencialistas.
Glossário
Teoria teleológica: qualifica bem/fim último. É impossível em sociedades plurais
Teoria consequencialista: o importante não é a ação em si, mas seus resultados.
Teoria deontológica: conjunto de ações que servem de parâmetros fundamentais, a ação deve ser correta/justa, o resultado final é imponderável.
Notas
¹ RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016. 816 p.